Enquanto o país não entende 2016, continuará repetindo 1964 em câmera lenta
Um olhar sobre o golpe que nunca acabou e as feridas que o Brasil insiste em fingir que cicatrizaram.

A história recente do Brasil não é uma sucessão de crises políticas. É um projeto de poder bem orquestrado, com datas, rostos e interesses muito claros. O que se chama de “impeachment” de Dilma Rousseff foi o ponto alto de uma conspiração midiática, jurídica e parlamentar que começou muito antes e que se estende até hoje nas estruturas que tentam conter o governo popular de Lula.
Em 2016, a presidenta eleita por mais de cinquenta e quatro milhões de votos foi derrubada por um Congresso dominado por uma aliança entre MDB, PSDB, DEM, PP, PSD e setores da mídia corporativa que há décadas moldam o pensamento político nacional. Eduardo Cunha, então presidente da Câmara e já investigado por corrupção, usou seu cargo para abrir o processo de impeachment em retaliação direta ao PT e ao governo, numa chantagem institucional que se transformou em espetáculo televisivo.
A Rede Globo, com o Jornal Nacional repetindo diariamente as delações e operações da Lava Jato, cumpriu papel central na manipulação da opinião pública. A cada edição, a emissora apresentava canos de dinheiro animados, manchetes espetaculosas e uma narrativa moralista que fazia crer que o país precisava ser “limpo” pela classe política mais suja que o dominava. A GloboNews, Veja, Época, Estadão, Folha, Record e SBT embarcaram no mesmo roteiro, transformando a Lava Jato em produto de consumo e Sérgio Moro em herói nacional.
A operação, vendida como cruzada anticorrupção, foi o braço jurídico do golpe. Deltan Dallagnol e sua força-tarefa em Curitiba trabalhavam de forma coordenada com o juiz que os orientava, trocando mensagens, combinando estratégias e destruindo reputações seletivamente. Tudo que pudesse atingir Lula era prioridade, enquanto aliados de Temer, Aécio, Alckmin, Renan e outros ficavam na penumbra da conivência institucional.
No auge do cerco político, Dilma tentou nomear Lula como ministro da Casa Civil. O objetivo era retomar o diálogo com o Congresso e evitar a ruptura. Mas um grampo ilegal autorizado por Moro foi vazado à imprensa, e o áudio manipulado entre Dilma e Lula virou manchete nacional. Gilmar Mendes, no Supremo, suspendeu a nomeação de Lula. E com isso, o golpe foi selado. Anos depois, o próprio Michel Temer reconheceria que, se Lula tivesse tomado posse, o impeachment não teria acontecido. A confissão é o selo final de uma trama que misturou chantagem, traição e manipulação judicial para derrubar uma presidenta honesta e impedir o retorno de Lula.
A partir daí, o país mergulhou em um período de exceção jurídico-midiática. A legalidade continuou existindo no papel, mas as decisões que moldavam o destino do país eram tomadas fora da Constituição. O Supremo, que deveria conter os abusos, tornou-se cúmplice, silencioso ou colaborador. Os grandes jornais continuavam aplaudindo as operações da Lava Jato, mesmo quando elas destruíam empresas estratégicas como a Petrobrás e desmontavam cadeias produtivas inteiras. O objetivo nunca foi combater a corrupção, e sim desmontar a soberania nacional e pavimentar o caminho para o entreguismo neoliberal que se seguiria.
Com Dilma deposta, Temer assume e implementa o programa que o povo havia rejeitado nas urnas. Reforma trabalhista, teto de gastos, cortes em políticas sociais. Tudo aprovado com o apoio do mesmo Congresso golpista e de partidos que até hoje se revezam no poder: MDB, PSDB, PP, PSD, União Brasil e PL. Um bloco fisiológico, sem ideologia, apenas fome por cargos e verbas. Esse bloco se consolidou como o chamado Centrão, que sobrevive de governos e atravessa décadas.
Em 2018, Lula liderava todas as pesquisas para presidente. Mas Moro o condena sem provas no caso do tríplex, garantindo sua prisão e impedindo sua candidatura. A Lava Jato cumpre o segundo passo do golpe: retira o líder popular da disputa e entrega o país ao caos da extrema direita. Bolsonaro é eleito com o mesmo discurso anticorrupção criado pela mídia e alimentado pelo ódio contra o PT.
Moro ganha seu prêmio e vira ministro da Justiça de Bolsonaro. Deltan Dallagnol se lança na política. A simbiose entre Lava Jato e bolsonarismo fica evidente. O país entra numa era de destruição institucional, ataque à imprensa livre, às minorias, à cultura e à própria ideia de verdade.
A pandemia escancara a incompetência do governo e a cumplicidade de parte do Congresso e do empresariado, que apoiam o projeto autoritário enquanto lucram. O STF, pressionado pelo caos e pela repercussão internacional, começa a se afastar do monstro que ajudou a criar. Aos poucos, tenta reconstruir sua imagem, reconhece a parcialidade de Moro e anula as condenações de Lula. Mas o estrago já estava feito.
Em 2022, Lula retorna e vence as eleições, trazendo de volta a esperança de reconstrução nacional. O bolsonarismo, porém, se entrincheira nas redes e no Congresso. MDB, PP, PSD, União Brasil e PL compõem o bloco que impede avanços e trava reformas sociais. É a continuidade do golpe por outros meios. A democracia formal voltou, mas a estrutura de poder que nasceu do golpe segue viva, corroendo por dentro o que o povo tenta reconstruir.
Hoje, em 2025, Lula governa com dificuldade. A mídia que apoiou o golpe tenta se reposicionar, vendendo neutralidade. O STF tenta se limpar da história que o envergonha. O Centrão negocia cada projeto como quem vende oxigênio. O Brasil vive, enfim, as consequências de uma década de manipulação, onde o povo pagou o preço mais alto por uma elite que nunca aceitou ser governada por quem veio de baixo.
Linha Cronológica dos Acontecimentos (2016–2025)
2016 – Início do golpe parlamentar. Eduardo Cunha abre o processo de impeachment contra Dilma Rousseff.
2016 – Mídia corporativa (Globo, GloboNews, Veja, Época, Folha, Estadão, Record, SBT) intensifica cobertura pró-impeachment.
2016 – Dilma tenta nomear Lula ministro da Casa Civil. Gilmar Mendes, com base em grampo ilegal de Moro, barra a posse.
2016 – Dilma é deposta. Temer assume.
2017 – Reformas neoliberais avançam: trabalhista e teto de gastos.
2018 – Lula lidera pesquisas, é preso por Moro e impedido de concorrer.
2018 – Bolsonaro vence com apoio da Lava Jato, da mídia e das redes manipuladas.
2019 – Moro vira ministro da Justiça de Bolsonaro.
2020 – Escândalos da Lava Jato começam a ser revelados. STF começa a rever decisões.
2021 – STF reconhece a parcialidade de Moro e anula as condenações de Lula.
2022 – Lula é eleito presidente novamente.
2023–2025 – Lula enfrenta bloqueios do Centrão (MDB, PP, PSD, União Brasil, PL). STF tenta se desvincular do bolsonarismo que ajudou a gestar.
2025 – O país tenta reconstruir sua democracia e consciência crítica, ainda sob a sombra de 2016.
O que começou como impeachment virou método: governar por chantagem, manipulação e medo.