Café, mídia e narrativa

O criminoso e o conforto da manchete

Quando o jornalismo decide quem merece compaixão, a verdade se torna refém da semântica

Chris Schlögl 07 de novembro de 2025

Foto: Gerar por Inteligência Artificial para ilustrar a matéria
Foto: Gerar por Inteligência Artificial para ilustrar a matéria

Hoje eu te convido pra um café mais amargo. Aquele que a gente toma lendo o noticiário e sente o gosto do grão queimado antes da hora. Eu já não acredito em neutralidade há muito tempo, mas ainda me espanto com a delicadeza com que a grande mídia escolhe seus vilões e vítimas. E como, na xícara da opinião pública, ela adoça quem devia amargar.

Estava lendo uma reportagem da CNN sobre a possível prisão de Jair Bolsonaro que é uma dessas obras-primas da sutileza enviesada. O texto se preocupa com a “dor de cabeça” que o ex-presidente pode causar ao sistema prisional, cita “autoridades preocupadas com a saúde do ex-presidente”, fala em “receio” e “compatibilidade do quadro clínico com a assistência médica das prisões de Brasília”. É um tom quase maternal, uma tentativa de humanizar um homem que desumanizou um país inteiro.

Repare: não há uma linha sobre os crimes que o trouxeram até aqui, nenhuma menção ao rastro de morte, mentira e destruição institucional. A pauta não é a justiça, mas o desconforto que a justiça pode causar ao réu. A preocupação da matéria não é com o Estado de Direito, mas com o estado de saúde de quem tentou destruí-lo.

Isso não é casual. É narrativa. É o velho truque da imprensa que se disfarça de imparcial, mas escolhe palavras com bisturi. Quando a CNN escreve “preocupação” e “dor de cabeça”, está pedindo que o leitor sinta empatia. Não pelo povo que sofreu com a pandemia, nem pelos mortos, nem pelos ataques à democracia, mas por aquele que comandou tudo isso. É um recurso de manipulação emocional que usa a compaixão como anestesia moral.

E esse tipo de texto não surge do nada. É fruto de uma imprensa que ainda se vê como mediadora da verdade, mesmo quando se ajoelha diante do poder que deveria vigiar. Bolsonaro é, para ela, um problema estético, não ético. Uma pauta difícil, não uma chaga aberta. E o noticiário vira o travesseiro onde repousa o ego de quem destruiu a República.

Enquanto isso, as manchetes sobre as operações policiais no Rio continuam poupando o governador, desviando responsabilidades para Brasília. O mesmo script: inverte-se o foco, muda-se o sujeito da frase, e o culpado troca de lugar com o inocente. Assim, o leitor não percebe, mas o país é reescrito palavra por palavra, verbo por verbo, até que a mentira soe como verdade.

O jornalismo que se recusa a chamar o criminoso de criminoso já escolheu o lado. E não é o da verdade, nem o do povo.

Quem serviu esse café?

Chris Schlögl
Chris Schlögl

É jornalista e criador do Café, Amigos e Sinceridades, um espaço onde opinião e café se misturam sem pressa. Prefere o amargor da verdade ao açúcar da conveniência. Escreve para provocar conversa, não consenso. Acredita que jornalismo é janela, não vitrine.

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