Quando o café esquenta a mão e a manchete esfria a verdade
No Rio, o comando é estadual, mas as manchetes preferem culpar Brasília.

O café ainda está fumegando quando se abre a tela e se depara com manchetes que parecem mais roteiros de teatro político do que jornalismo investigativo. Na capital fluminense, o estado do Rio domina a estrutura de segurança pública, mas as primeiras páginas e os destaques insistem em atribuir à União, ao governo federal, o protagonismo ou a culpa. A operação descrita nas matérias é resultado de comando estadual. O governo estadual conduziu, planejou e autorizou a ação. Mesmo assim, a narrativa se curva para Brasília.
Na primeira matéria da CNN Brasil, o governo do Rio afirmou que “informou a Polícia Federal previamente sobre a operação”. O estado reconhece sua responsabilidade, mas o destaque se dá no repasse da informação à PF. A leitura pública tende a ver ali uma cooperação ou mesmo dependência federal, quando, na verdade, o Estado assumiu o protagonismo. Na segunda reportagem, o diretor-geral da PF declara que a corporação no Rio “foi informada” sobre a operação. A palavra informada soa passiva. A estrutura do texto reforça a impressão de que a operação pertencia à PF ou ao governo federal, quando não era esse o caso. Na terceira matéria, o governador do Rio, Cláudio Castro, diz que decisões judiciais fizeram o Rio “se tornar um bunker”. Mesmo assim, o título e a chamada se concentram no suposto cerco ou na reação das instituições federais, deslocando o foco do governo estadual, que tem a atribuição concreta da segurança pública, para uma narrativa de crise nacional ou federalizada.
O resultado dessa conjunção editorial é perverso. O estado que governa aquilo que ocorre, representado pelo governador do PL alinhado com a base bolsonarista, aparece como refém das instituições federais ou das decisões judiciais. O governo federal, que não comandou nem autorizou a operação, surge falsamente narrado como o grande culpado. A mídia, ao noticiar dessa forma, lava a imagem de quem teve o poder real e transfere a culpa para quem não esteve envolvido no fato.
Quando o jornalista assume a postura de dar voz a todos os lados sem haver igualdade ou comparabilidade de responsabilidades, ele adota o discurso que critica. A frase que que costumo adotar: se alguém diz que está chovendo e outro diz que não está, e o jornalista não tem que dar voz aos dois, mas abrir a janela, encaixa-se perfeitamente aqui. A janela mostraria que a operação esteve sob comando estadual, que a competência é do estado, que o planejamento foi local. Mas a manchete fecha a janela e prefere ventilar que a chuva vem de Brasília.
Enquanto o café esfria sobre a mesa, as vítimas da operação, os moradores das comunidades, os policiais que agem ou morrem ali, ficam fora das manchetes principais. O espetáculo midiático acontece em outro nível, o conflito simbólico entre poder federal e estadual substitui a realidade concreta de quem vive a consequência dessas operações. No fim, a paciência esfriou. O café já caiu na caneca fria da desconfiança. A mídia que se proclama plural cria, na prática, uma narrativa de apoio à direita, legitima o governo estadual aliado ao bolsonarismo, move a atenção para o federal e faz o leitor acreditar que o erro vem de fora, quando a falha está em casa.
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