Quando a Galinha Pintadinha vira bandeira
Entre goles de café e risadas com amigos, até uma galinha animada revela como a blindagem cognitiva mantém o bolsonarismo mobilizado.

O café esquenta a mão antes mesmo de esquentar o corpo. Enquanto a fumaça sobe, a mente desperta e os amigos se aproximam, trazendo histórias, risadas e aquela sinceridade que só surge entre xícaras e olhares atentos. É nesse ritual cotidiano que a política aparece, misturada ao trivial, às discussões e às observações do mundo que insiste em nos surpreender.
Foi nesse cenário que surgiu a mais recente polêmica envolvendo a deputada Caroline de Toni. Não foi sobre economia, reforma agrária ou corrupção, mas sobre a Galinha Pintadinha, um desenho infantil. À primeira vista, parece trivial, até risível. Mas a reação da deputada e a forma como seus eleitores celebraram sua indignação revelam muito mais. Há um padrão de interpretação do mundo filtrado por convicções ideológicas. Até uma galinha animada pode virar bandeira política. E é justamente isso que mantém o eleitorado de direita mobilizado. Não é o debate racional, é a identificação automática com símbolos e mensagens que reforçam uma narrativa pré-existente.
Foi nesse contexto que o professor José Geraldo de Sousa Júnior se dirigiu a ela durante a CPI do MST, dizendo “Não tenho como discutir com a deputada, porque sua visão de mundo, sua percepção só lhe permite enxergar o que a senhora já tem escrito na sua cognição.” Ele não estava apenas criticando um episódio específico. Explicava, com precisão acadêmica e paciência, que não existe diálogo possível quando a percepção da realidade é filtrada por convicções rígidas, quando os fatos são recortados e reinterpretados para encaixar-se em crenças pré-formadas.
A falta de cognição crítica que ele descreve não é só da deputada. É estrutural no bolsonarismo. A realidade é constantemente recortada, os fatos são reinterpretados e a narrativa oficial é aceita como verdade absoluta. Qualquer tentativa de debate racional se perde diante da convicção que ignora evidências. A percepção só enxerga o que confirma a crença inicial. Não é questão de malícia, mas de blindagem cognitiva, uma resistência mental que transforma tudo em sinal político e reforço identitário, até que uma galinha cantando possa virar manchete.
E assim, entre goles de café, conversas com amigos e risadas sobre absurdos, a política se revela não só em leis e decretos, mas em símbolos, escolhas triviais e falas que viralizam. O problema não é só o que é dito, mas como se vê o mundo inteiro apenas através de lentes pré-configuradas, incapaz de perceber nuances, contextos ou contradições. É nesse ponto que a discussão se torna impossível e o debate inútil.
Receba cafés fresquinhos de informação — notícias leves, rápidas e sempre quentinhas.
Entrar no grupo






