O teatro das meias verdades no noticiário da semana
Quando a imprensa prefere o teatro à verdade crua (e o público paga o ingresso).
O café desta semana veio mais amargo que de costume, sem açúcar e sem filtro, do jeito que precisa ser quando o noticiário insiste em adoçar o amargo com eufemismos e meias verdades. É aquele momento de sentar com os amigos no botequim e olhar o jornal do dia como quem encara um espelho torto: a mídia mostra o que quer mostrar, e a realidade que chega à mesa é sempre a de quem financia o noticiário. Acordar desse torpor midiático é um dever cívico, porque tem muita gente acreditando em uma realidade paralela que não existe, fabricada entre uma manchete ensaiada e um silêncio conveniente.
A semana trouxe três exemplos emblemáticos desse teatro que mistura conveniência e poder. O primeiro é o voto pelo arquivamento do processo de cassação de Eduardo Bolsonaro, noticiado pela CNN Brasil
O mesmo Eduardo que ajudou a incendiar o país com o discurso golpista e ainda articulou, junto com seu grupo político, o tarifaço que atingiu em cheio a população. Hoje, no entanto, é tratado como se fosse um deputado de carreira comum, um sujeito que só “errou no tom” em alguns momentos. A naturalização da sua presença no Congresso é um retrato da anestesia coletiva em que vivemos, e da leniência das instituições que ainda fazem de conta que 8 de janeiro foi um acidente histórico, e não o resultado direto da irresponsabilidade de quem flertou com o caos.
O segundo capítulo é ainda mais ilustrativo: Michel Temer, o mesmo homem que chegou ao poder pelo atalho do impeachment, agora reaparece como uma espécie de colunista informal da mídia, que por sua vez se transformou em porta-voz do poder institucionalizado que ele representa. A CNN destacou seus parabéns à opositora venezuelana Maria Corina Machado, enquanto o presidente Lula preferiu o silêncio. Temer, que ajudou a parir o ambiente político que depois geraria Bolsonaro, agora posa de diplomata e comentarista internacional. A grande imprensa, refém dos mesmos grupos econômicos e políticos que ajudaram a derrubar Dilma Rousseff, o trata como uma figura “ponderada”. É o mesmo roteiro reciclado, aquele em que quem destrói a democracia depois ganha espaço para opinar sobre como salvá-la.
Por fim, Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e cria do bolsonarismo, deu entrevista à CNN Brasil afirmando que “a população não aguenta mais impostos”. Uma fala que, dita em rede nacional, até parece empática. Mas basta sair do discurso e olhar o que o governo dele faz: quer taxar até gorjeta de garçom e aumentar tributos sobre o consumo. É a velha prática de dizer uma coisa diante das câmeras e fazer o oposto nos bastidores. Enquanto posa de liberal, aplica políticas que sufocam o trabalhador e servem ao mesmo empresariado que financia sua imagem de gestor eficiente.
No fim das contas, a mídia corporativa, de Globo a Record, de Veja à própria CNN, segue cumprindo o papel de normalizar o absurdo. Em vez de cobrar coerência, escolhe dar palco a quem já provou que trata a política como um balcão de negócios. O problema não é a mentira descarada, mas a verdade parcial que vem travestida de isenção. É o jornalismo que entrevista Temer sem lembrar de Cunha, que dá voz a Tarcísio sem falar das contradições fiscais do seu governo, que trata Eduardo Bolsonaro como parlamentar e não como herdeiro direto da retórica golpista.
O café dessa semana, portanto, vem amargo porque precisa ser. Não é para agradar o paladar de quem gosta de manchete com espuma. É para acordar quem ainda dorme acreditando que a imprensa é neutra e que os protagonistas dessa história se converteram em democratas. O sabor é de lucidez, mesmo que doa.
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