Café quente, jornalismo frio

Enquanto o café aquece, a verdade esfria

Quando o jornalismo se recusa a abrir a janela.

Chris Schlögl 24 de outubro de 2025

Imagem: Ilustração
Imagem: Ilustração

Sabe quando o café esquenta a mão e a notícia esfria a paciência? Pois é, vale a pena lembrar que jornalismo de verdade não é microfone aberto para dois lados iguais, é abrir a janela e verificar se está chovendo de fato. Por isso, senta aí, pega o copo, e vamos checar como certas manchetes e colunas moldam o clima político mais do que descrevem a chuva.

A cobertura recente da CNN Brasil que envolve episódios políticos sensíveis revela um padrão repetido: transformar conflito institucional em narrativa partidária ao estilo “vamos ouvir todos os lados”, quando na prática se privilegia a versão que mais serve ao campo opositor. Em um texto, por exemplo, o senador Flávio Bolsonaro acusa o ministro Alexandre de Moraes de “atrapalhar a direita” e a matéria reproduz esse enquadramento quase sem interrogar a motivação política do argumento. Essa escolha de ênfase ajuda a construir um quadro de vitimização da direita, mesmo quando o pano de fundo envolve medidas do STF que têm base processual. CNN Brasil

Numa outra peça, a própria reabertura de investigação contra o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, é tratada como um movimento que “surpreende” o partido, um framing que instala a narrativa de perseguição antes de se aprofundar nas razões jurídicas apresentadas pela corte. Mais uma vez a linha editorial privilegia o efeito político do acontecimento sobre a verificação dos fatos, dando ecos ao discurso de que o Judiciário estaria atuando politicamente. CNN Brasil

Em artigo que repercute a condenação no caso Voto Legal, a linha editorial volta a enfatizar interpretações e ressentimentos do lado condenado, sugerindo que o STF teria “culpado o mordomo”. A reportagem reproduz declarações e leituras que minimizam elementos probatórios e maximizam a narrativa de injustiça ou exceção judicial. Esse tipo de abordagem tem o efeito prático de posicionar a emissora, ainda que sutilmente, como porta-voz das queixas da direita, sob o verniz de pluralidade. CNN Brasil

O problema não é somente que a CNN publique vozes diversas. O problema é que o peso atribuído a cada voz e a ausência de esforço explícito de verificação transformam pluralidade em simetria injusta. A famosa frase da janela é bem prática para isso: se alguém diz que está chovendo e outro diz que não, o jornalista não é obrigado a equilibrar as duas versões; é obrigado a abrir a janela. Jornalismo que apenas dá microfone a opiniões conflitantes sem checar evidências concede igualdade a quem tem interesse político em moldar a percepção pública. Em tempos de CPMIs, medidas cautelares e decisões do STF que reverberam na política de 2026, deixar de abrir a janela é escolher um lado pelo silêncio metodológico.

No caso concreto, os textos mostram exatamente esse movimento. Reforçam narrativas de perseguição e de instrumentalização do Judiciário, replicam acusações e ressentimentos de atores políticos e, ao fazê-lo, entregam à audiência um mapa emocional mais do que um mapa factual. Isso alimenta a criminalização simbólica de adversários sem que o público receba, com a mesma ênfase, checagem documental, contexto processual e perspectiva institucional.

Se a CNN diz que está dando voz a todos, deveria pelo menos equilibrar esse “dar voz” com a prática básica do jornalismo investigativo: abrir a janela, anotar se está chovendo, mostrar a evidência e só então permitir que as narrativas políticas ganhem o microfone. Enquanto isso não ocorrer, acompanharemos um noticiário que, sob o argumento de pluralidade, repete a operação clássica da direita: transformar cada procedimento jurídico em espetáculo político e cada manchete em balação de artilharia contra o inimigo público.

Quem serviu esse café?

Chris Schlögl
Chris Schlögl

É jornalista e criador do Café, Amigos e Sinceridades, um espaço onde opinião e café se misturam sem pressa. Prefere o amargor da verdade ao açúcar da conveniência. Escreve para provocar conversa, não consenso. Acredita que jornalismo é janela, não vitrine.

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